Um objeto com mais de 10kg caiu do céu na vila de Fazilpur Badli, na Índia. O fenómeno atraiu dezenas de pessoas, sem que alguém soubesse exatamente o que tinha acontecido. Rapidamente começaram a circular teorias de que o objeto, congelado, pudesse ser um fenómeno extraterrestre, boatos que não amedrontaram os habitantes que se aproximaram e até quiseram ficar com um pedaço, guardando-o em arcas térmicas.
A chegada das autoridades serviu para que fosse imediatamente afastada a ideia de que se pudesse tratar de um fenómeno meteorológico e as suspeitas recaíram de imediato sobre os aviões de passageiros que sobrevoavam aquela zona. Daí até se confirmar que aquilo eram dejetos humanos, foi um instante.
Este episódio, relatado pela imprensa local e internacional em janeiro de 2018 é raro, mas não é inédito. Três anos antes, no Reino Unido, também um casal se queixou às autoridades depois de uma bola congelada de dejetos humanos ter caído de um avião, danificando várias telhas da casa onde viviam. Mas é na Índia que estes acontecimentos parecem mais frequentes, tendo já sido aplicadas multas a companhias aéreas que, alegadamente, libertam dejetos de humanos no ar.
No final de 2016, foi criada uma legislação que tem como objetivo punir as companhias que libertem dejetos das casas de banho em zonas próximas aos aeroportos durante a aterragem ou a descolagem.
A lei que entrou em vigor na Índia pode ser já uma ajuda para responder à pergunta deste artigo. Se a lei proíbe as descargas em zonas próximas aos aeroportos, é porque as permite sobre o mar, por exemplo? Errado. Os aviões comerciais não podem libertar os resíduos resultantes das casas de banho durante o voo, e não o podem fazer porque isso é tecnicamente impossível.
Mas vamos por partes. Os aviões que transportam passageiros têm várias casas de banho, sendo que o número é tão maior, quão maior fôr a lotação da aeronave. Cada uma das sanitas destas casas de banho está equipada com um sistema de vácuo que se aciona quando o botão do autoclismo é pressionado. Neste momento os dejetos são sugados para um dos tanques que, geralmente, se situa na cauda do avião. Tendo em conta a dimensão da aeronave, o número de tanques pode aumentar, sendo que será sempre mais do que um, para se evitar que uma avaria inutilize todas as casas de banho durante um voo.
Depois de aterrar, uma equipa de solo é acionada para remover os resíduos que se foram acumulando ao longo do voo, num processo que inclui uma desinfeção automática dos tanques e o envio dos dejetos para uma central de tratamento.
Visualmente, este processo é semelhante ao de abastecimento de combustível da aeronave, mas em vez de se desenrolar nas asas do avião, acontece junto à cauda. Um veículo aproxima-se da aeronave e eleva uma plataforma com um funcionário que liga uma mangueira a uma válvula localizada na barriga do avião que faz o trabalho de limpeza de forma quase autónoma.
Havendo todo um sistema concebido para que o avião mantenha os resíduos no seu interior até que a viagem termine, haverá alguma possibilidade de os libertar em caso de emergência? Não. Ao contrário do que acontece com o combustível – que em algumas aeronaves pode ser libertado no ar para fazer o avião perder peso e poder aterrar em segurança -, o mesmo não acontece com os resíduos que resultam das idas à casa de banho dos passageiros. É por isso que a lei criada na Índia parece mal sustentada. Já no que diz respeito às bolas fedorentas que caem do céu, o cenário pode ser bem diferente.
Se é certo que nenhum comandante tem um botão que permita uma chuva de porcaria seja sobre uma cidade ou sobre um oceano, mais incontrolável é a possibilidade de a válvula que permite o esvaziamento dos tanques em terra se avarie. E, muito provavelmente, é isto que acontece em todos os casos relatados pela imprensa internacional. Seja no caso da bola gelada que caiu na Índia ou na que partiu as telhas da casa de um casal inglês.
As avarias são muito raras, mas acontecem. Ainda assim, em nenhum caso uma falha deste género permitiu que a totalidade dos tanques fosse esvaziada. Nem de perto nem de longe! Aquilo que acontece é uma fuga que permite a saída de uma parte dos resíduos que, em contacto com o ar gelado da altitude a que os aviões voam acaba por congelar. À medida que o voo vai avançando e a fuga se vai tornando maior, a massa do objeto cresce até atingir um peso que faz com que se liberte da fuselagem. Neste momento, o que antes eram dejetos transforma-se num grande e pesado objeto congelado que vai ter impacto no sítio onde cair.
Este fenómeno raro é conhecido na indústria como gelo azul porque, na verdade, nem são bem os dejetos que acabam por se libertar do avião, mas sim o químico de cor azul que é inserido nos tanques para ajudar a deterioração das fezes e urina, impedir que maus cheiros se acumulem e, mais importante, evitar a proliferação de bactérias.