Em meados do mês de setembro de 2019, dois pilotos belgas iniciaram uma missão simples que tinha como objetivo deslocar um caça F-16 estacionado na base aérea de Florennes, no centro da Bélgica, para a base Lann-Bihoué, na zona este de França. A viagem curta não oferecia problemas de maior, mas já na reta final do percurso um problema mecânico leva o avião supersónico a despenhar-se.
“Estávamos no jardim, quando ouvimos várias aeronaves a rasgar os céus. Logo depois ouvimos um grande estrondo e, por fim, silêncio”, contam moradores da cidade de Pluvigner, em França, ouvidos pela imprensa local. O “estrondo” terá sido a colisão de parte do F-16 com o telhado de uma casa, onde embateu antes de dar origem a um pequeno incêndio rural.
Por esta altura já os dois pilotos a bordo tinham carregado no mítico botão vermelho que os ejetou do F-16. Um deles pousou são e salvo, a uns metros do local onde o avião colidiu com o chão. O outro acabaria por ficar sem ferimentos de maior, mas precisou que as equipas de resgate o fossem buscar aos cabos de alta tensão, onde tinha ficado pendurado.
A vizinhança teve que ficar sem luz elétrica durante algumas horas até que o piloto conseguisse ser resgatado. O aparato atraiu muitas atenções, incluindo de alguns internautas que fizeram circular fotografias do insólito na internet. Mas para além do telhado da casa onde o F-16 embateu, e do próprio F-16, não houve danos de maior. Até os cabos de alta tensão ficaram imaculados, mesmo depois de terem que suportar um homem e o seu pára-quedas durante largos minutos. Feridos graves ou mortes não se verificaram.
A maioria dos aviões militares de combate, como os F-16 ou outros caças, têm sistemas que permitem salvar a vida dos tripulantes em caso de acidentes como este que aconteceu em França. Mas se a vida destes dois pilotos foi salva graças a um sistema de segurança que já existe, porque é que ele não é replicado para a aviação comercial, permitindo que os acidentes fizessem centenas de mortos?
Há várias razões para que ao lado dos coletes salva vidas dos aviões não estejam pára-quedas e a primeira delas é que teriam pouca ou nenhuma utilidade.
Antes de avançarmos para a pouca utilidade destes equipamentos, vamos olhar para as suas características. Um pára-quedas pode pesar quase 20 quilos e o peso é um dos fatores mais críticos na aviação. É também por esse motivo que cada vez mais companhias obrigam os passageiros a medir e a pesar as malas antes do embarque. Peso é dinheiro na indústria da aviação.
A conta é fácil de fazer, num Boeing 737 ou Airbus A320, dois dos aviões mais comuns em voos de pequeno e médio curso, o peso total em pára-quedas podia chegar às três toneladas. Se olharmos para aviões como os jumbos A380 ou o 747 o valor pode disparar para 10 toneladas. Tudo isto, garantidamente, faria diminuir o tamanho das malas que já achamos pequenas demais, mas também colocaria os preços das passagens um nível bem acima, porque peso é dinheiro na indústria da aviação.
Falar em dinheiro e em vidas parece sempre um tema simples, porque nenhuma vida tem preço e por isso se os custos associados aos pára-quedas fossem a única desvantagem, é certo que cada lugar dos aviões comerciais já teria um. A aviação depende da segurança e a forma como é pensada tem sempre esta premissa no centro das decisões, mas há mais problemas.
Os aviões comerciais voam demasiado rápido e demasiado alto para que qualquer salto pudesse terminar com as centenas de passageiros que cada avião transporta sãos e salvos no solo depois de um acidente. É também por isso que as cabines são pressurizadas, porque as condições atmosféricas em que os aviões comerciais voam seriam insuportáveis para qualquer ser humano.
É verdade que o F-16 em que os dois pilotos belgas voavam é ainda mais rápido e é capaz de voar ainda mais alto, mas o ponto de ejeção deles é sempre o mais próximo do solo possível e é feito com botijas de oxigénio, precisamente para que não percam os sentidos pela falta de oxigénio e fiquem sem conseguir abrir o pára-quedas no momento exato.
Mas há ainda mais um argumento, os dois pilotos belgas são militares, com formação e capacidade física para enfrentar situações deste género, já as pessoas que voam a bordo de um avião entre Lisboa e o Rio de Janeiro, por exemplo, não têm que ser necessariamente bem preparados ao nível físico. E sejamos sinceros, a maioria não é!
A rota entre Portugal e o Brasil também é um bom exemplo para desencorajar a utilização de pára-quedas em voos comerciais de longo curso. A maior parte da rota é feita sobre o mar, pelo que um equipamento destes só serviria para ajudar os passageiros a demorarem mais tempo a chegar ao mar, onde o socorro só chegaria muitas horas depois. E se olharmos para os números percebemos ainda que só cerca de 10% dos acidentes acontecem durante a fase de cruzeiro, sendo a maioria registados durante as aterragens e as descolagens, momentos em que pouco ou nenhum tempo os passageiros teriam para recorrer a este sistema de segurança.
É importante notar ainda que mesmo os 10% de acidentes que acontecem com o avião em voo pleno, estão muitas vezes associados a condições meteorológicas muito adversas e não é aconselhado, nem a profissionais, que se usem pára-quedas quando há ventos fortes ou chuvas intensas. E para além de tudo, o processo de colocar o pára-quedas às costas, a botija de oxigénio e avançar em direção à porta de forma ordeira e tranquila não é de todo o cenário que imaginamos quando pensamos num acidente aéreo.