Uma vespa pode fazer cair um avião?

As vespas não surgem na lista de principais causas de acidentes aéreos, mas será que um bicho tão pequeno pode dar origem a um desastre?

uma vespa pode fazer cair um avião
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A 6 de fevereiro de 1996, os 176 turistas que tinham acabado de passar alguns dias de férias na paradisíaca República Dominicana embarcaram num Boeing 757 para regressarem a casa. A viagem seria longa e com várias escalas, uma vez que antes de chegar a Frankfurt, o plano de voo previa escalas em Gander, no Canadá, e em Berlim, na Alemanha.

Durante a descolagem do aeroporto de Puerto Plata o piloto do avião da Birgen Air percebeu que as informações que estava a receber nos paneis de controlo não estavam certas. A velocidade indicada não correspondia à real, mas optou por não abortar a partida, uma vez que as indicações que o co-piloto estava a receber pareciam fidedignas.

A decisão veio a revelar-se fatal. Poucos minutos depois de estar no ar, o painel de instrumentos começou a transmitir informações contraditórias, deixando a tripulação confusa. Do lado do piloto o sistema alertava para uma velocidade excessiva, do lado do co-piloto a informação dava conta de uma velocidade demasiado baixa. O piloto automático acabou por interpretar as informações que estavam a ser recolhidas pelo tubo de pitot do piloto, apontando o nariz do avião para cima e reduzindo a potência do motor com o objetivo de que o avião reduzisse a velocidade.

Depois de o piloto automático ter tomado esta decisão, começam a soar os alarmes de stol. Significa isto que o avião estava a voar a uma velocidade demasiado baixa, com um ângulo de ataque demasiado agressivo e, por isso, em perda de sustentação. Num ambiente confuso e com informações enganadoras para os pilotos era difícil perceber exatamente o que se estava a passar, ainda assim o piloto automático desliga-se, deixando nas mãos da tripulação a decisão do que fazer para resolver aquele problema.

A decisão de interpretar apenas os sinais que davam conta de que o avião estava em perda e a caminho do desastre foi tomada tarde demais. As manetes dos dois motores ainda foram empurradas para a frente com o objetivo de fazer o aparelho ganhar velocidade para entrar numa nova posição de segurança, mas foi tarde demais. O Boeing 757 acabaria por mergulhar no oceano, matando todos os 176 passageiros e 13 tripulantes.

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Todas as informações que os pilotos estavam a receber nos painéis do cockpit tinham origem em diversos sensores espalhos pelo avião, entre os quais os tubos de pitot, pequenos instrumentos localizados na zona frontal do avião que recolhem dados como altitude ou velocidade do aparelho. No caso deste Boeing 757 havia três destes sensores, sendo que um deles estava com problemas e não conseguia fazer as medições corretamente: o suficiente para criar um ambiente de grande confusão no momento de tomar decisões relevantes para a viagem.

O avião usado para esta viagem tinha sido alugado pela companhia dominicana Alas Nacionales, que não tinha nenhum aparelho disponível para esta operação. A aeronave era usada pontualmente e nos 25 dias anteriores a este serviço tinha estado parada, com os tubos destapados.

Geralmente estes sensores são protegidos com capas, mas neste caso isso não aconteceu e os orifícios de um destes tubos pode ter-se tornado no lugar ideal para que uma vespa fizesse um ninho, de acordo com o relatório que avaliou as causas deste acidente, que também aponta a possibilidade de lama estar a bloquea-lo. Obstruído, o tubo de pitot não deu informações corretas aos instrumentos do avião, o que levou a tripulação a tomar decisões erradas.

Os acidentes aéreos não são causados apenas por um fator, mas sim por uma sequência de falhas e erros humanos. Este acidente podia ter sido evitado se o piloto não tivesse partido quando percebeu, ainda em terra, que os instrumentos não estavam em conformidade, mas preferiu arriscar. Atualmente tal decisão é proibida pelas regras internacionais da aviação civil, estando sujeitos a severa punições todos os pilotos que não cumprirem.

Passados mais de 20 anos desde o acidente da Birgen Air, as vespas voltam a ser uma preocupação na aviação. Apesar de serem originárias da América do Sul e das Caraíbas, as vespas de fechadura estão agora a preocupar as autoridades aeroportuárias da Austrália. Os insetos têm sido identificados no Aeroporto de Brisbane, um dos maiores do país, e até já foram emitidas recomendações às companhias aéreas.

Por menores que sejam os períodos de tempo que os aviões passem naquele aeroporto, as companhias são aconselhadas a proteger os tubos de pitot com o objetivo de evitar o que aconteceu com um Airbus A330 da Ethiad que teve que regressar à origem pouco tempo depois de ter descolado em direção a Singapura. Havia perturbações na informação que os sensores estavam a transmitir aos pilotos, sendo que a origem do problema estava numa obstrução dos tubos de pitot.

O problema é sério e está bem identificado nas conclusões de um estudo da companhia australiana Qantas e da Ecosure, uma cosultora para assuntos ambientais, que foi publicado recentemente na revista científica Plos One.

Para se perceber exatamente como se comportam as vespas que vivem junto ao aeroporto, foram construídas réplicas dos tubos de pitot usados em alguns dos aviões mais frequentes na Austrália. Ao fim de 39 meses de observação percebeu-se que os insetos não só usam os sensores como ninho, como transportam para o seu interior minhocas que lhes servem de alimento.

Para além dos alertas às companhias aéreas, os gestores do aeroporto estão a usar pesticidas orgânicos para matarem as minhocas que servem de alimento às vespas de fechadura, mas a medida só está a produzir uma redução de 50% das obstruções. O número é significativo, mas ainda não é zero.

Apesar da ameaça real que as vespas representam para a aviação, são encaradas como um risco baixo porque, já sabemos, para que um tubo de pitot obstruído contribua para que um avião caia é preciso que muitos mais erros sejam cometidos. Nunca um único fator deu origem a um acidente aéreo.

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