Ir, sozinha… uma crónica para combater os medos de viajar sozinha

A Joana Genésio é mulher, sabe que corre riscos, mas mesmo assim não tem medo de viajar sozinha. Leia a crónica

Mulher com a cabeça fora da janela de um comboio enquanta viaja. Foto de Pixabay
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Há umas semanas foi noticiada a morte de uma mexicana numa praia paradisíaca na Costa Rica. Caminhava com uma amiga, à noite, e foram apanhadas num encontro infeliz com um grupo mal intencionado, que a roubou, violou e matou (a amiga conseguiu fugir para pedir ajuda). Uma história demasiado triste que ganha um peso de estupidez mórbida, quando uma chuva de comentários “anónimos” nas redes sociais, a culpabiliza pelo facto de que viajava sozinha.

Não sou feminista, nem esquerdista, nem nada que acabe em -ista, não porque não tenha convicções, mas porque não gosto de rótulos. Mas sou mulher. E também viajo sozinha. E ainda que, orgulhosamente, achemos que vivemos num mundo cada vez mais global e civilizado, com oportunidades crescentes, a verdade é que o ter nascido com um soutien, aos olhos desta mesma sociedade global e civilizada, me fragilizada e, em certo ponto, “incapabiliza”. Não sou louca e, apesar de ter nascido num berço verdadeiramente de ouro, sei que o mundo não é cor-de-rosa e coisas más acontecem todos os dias, a todas as horas, em qualquer lado. Porém, estas histórias e esta descrença na capacidade feminina não podem, nem devem, impedir que nos aventuremos neste mundo que é tão imenso.

Há dois anos parti na minha primeira viagem sozinha pelo Sudeste Asiático – um pequeno cliché, que assumindo esse mesmo estatuto, deve ser experimentado por toda a gente, pelo menos uma vez na vida. Um pequeno luxo que é tão válido como dar uns beijinhos no topo da Torre Eiffel, saltar de paraquedas, fazer uma tattoo, e tantos outros. Mas dizia que fui sozinha, num misto de medo e nervosismo que me levava às lágrimas sempre que dizia “até já”, como se alguém me tivesse obrigado a despedir do trabalho, dos amigos e da família, e enfiar 5 meses numa backpack de 40L. Mas a verdade é que desde que fui, não há um único dia em que não pense em voltar.

Estive fora cerca de 150 dias e gastei umas três ou quatro vezes mais do que o salário mínimo português. Jantei com pessoas de quem não me lembro o nome, partilhei histórias e criei umas tantas outras. Fiquei sem dinheiro no meio de “nenhures” e roubaram-me a carteira. Uma ponte caiu e quase que morri numa cascata. Dormi no chão e tomar banho de água quente passou a ser um pequeno luxo. Senti-me sozinha, e verdadeiramente apaixonada. Descobri Israel no Myanmar, e Malta na Tailândia. Passei o Natal na praia e fiz a minha primeira tattoo… Durante estes cento e poucos dias o mundo continuou a não ser cor-de-rosa, e muitas coisas más aconteceram. Mas quando saímos verdadeiramente da nossa zona de conforto e estamos dispostos a conhecer o que está do lado de lá… não há palavras que descrevam a sensação.

No entanto, há algumas coisas que precisam de ser esclarecidas – como se de uma mentora me tratasse…

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Primeiro, aquela que é a maior falácia de todas, é que não é preciso ter pais ricos para o fazer. O meu berço de ouro justifica-se com carinho, apoio incondicional e respeito. E sim, uma família incrivelmente fabulosa que desce cedo me ensinou o poder da Força e de traçar objetivos concretos. Obviamente que o(s) país(es) não podem ser descuidados no traçar do trajeto. Na Indonésia como por menos de 1€, em Paris se calhar só consigo comprar uma baguete. Mas, mais uma vez, tudo depende do quão disponíveis estamos de sair da nossa zona de conforto – e o conforto está nos transportes que escolhemos, nos alojamentos, na comida, nos “regallitos” que queremos comprar, no nosso modo de ser e estar. A verdade é que ainda que o mundo não seja cor-de-rosa, existe uma imensidão de pessoas que estarão sempre dispostas a ajudar, e encontrar uma casa a 38797km de distância não é impossível.

Segundo, a ideia de que vamos encontrar o(s) amor(es) da nossa vida não é totalmente verdade. Não vamos conhecer pessoas interessantes todos os dias, e há outros em que estar num quarto de hostel sozinha, sem ter que trocar palavras cordialmente desinteressadas com ninguém, vai soar como um sonho (ou então sou só que tenho um feitio difícil, mas não creio). No entanto, é óbvio que muitas das pessoas com quem nos cruzamos partilham os mesmos interesses – somos todos viajantes e, por isso, verdadeiros contadores de histórias, e as conversas fluem sem que tenham que ser feitas apresentações. E sim, ainda que não aconteça todos os dias, os romances do outro lado do mundo vão ser sempre os mais bonitos e mais intensos, porque simplesmente são despretensiosos e, na maior parte das vezes, terminam com um “até já” carinhoso, sem choros ou traumas.

Terceiro, e talvez o verdadeiro motivo para se embarcar numa aventura assim, é compreender que há uma grande diferença entre estar-se sozinho e sentir-se sozinho. Experimentei os dois e ambos podem ser incrivelmente reconfortantes, à sua maneira. O primeiro ensina-nos a apreciar os pequenos detalhes, como ver o pôr-de-sol numa praia verdadeiramente de sonho e isolada, com um cenário espetacular, e o Hard Sun nos ouvidos. A segunda pode acontecer quando passamos uma noite na casa de banho de um hostel, a perguntar a Deus porque é que a água não é potável em todo o mundo, ao mesmo tempo que nos faz perceber que depois de se bater no fundo, é sempre a subir.

Li algures que somos feitos de saudade, dos lugares que visitamos, das pessoas que conhecemos e das experiências que vivemos. É verdade. Mais verdade do que isso, é que não é preciso sair-se de Portugal, da nossa cidade, seja ela qual for, para descobrir esta premissa. Nem toda a gente tem de viajar para ser feliz, muito menos sozinho. Mas experimentar não custa e viver estas experiências do outro lado do mundo, sem portos seguros, faz nos compreender melhor o lado de cá. No entanto, não vale a pena ir à procura de respostas ou epifanias. O que interessa é ir simplesmente. Sem medos, sem grandes planos (afinal, o melhor plano é não ter plano nenhum…). Prometo que vai ser melhor do que algum dia imaginaram. E que não haverá um dia em que não se lembrem disso.

Foto de Pixabay

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