O “caminho de Santiago” para além de ser o outro nome para identificar a Via Láctea, é uma peregrinação feita desde o século IX para venerar as relíquias de Santiago, pelo que existem vários caminhos (inglês, francês, português (central e costa), da prata, entre outros) para chegar até Santiago de Compostela.
Dizem que, o caminho começa no momento em que pensamos faze-lo, que a caminhada em si, é a concretização “física” e “real” desse pensamento. E também, que “o caminho nos muda a vida”.
Esta começou há mais de um ano, quando uma antiga colega de casa de Buenos Aires (Argentina), em conversa de corredor comentou que o iria fazer pela segunda vez, “é lindo o caminho, conheci imensa gente, é uma experiência única”.
Não sou novata nestas “andanças”, já fui a Fátima a pé, mais de uma vez por sinal, no entanto nunca me tinha passado pela cabeça fazer “o caminho”.
Por nunca o ter feito, achei engraçada e interessante a ideia. De maneira que: meti na cabeça que o iria fazer nas minhas próximas férias; andei a caminhar uma média de 20kms por dia ao longo deste ano; a minha alimentação andou a ser quase testada (a ideia seria fazer o caminho quase como os peregrinos iniciais, quase pão e água); segui alguns grupos sobre o caminho no Facebook, li vários testemunhos e também questões de pessoas que estavam para ir.
Resultado final: Sai de Lisboa com destino a Viana do Castelo, chegada ao Porto às 1.55PM de um domingo atípico.
Noite mal dormida entre o entusiasmo de “acabei de entrar em férias”, da escolha das cores das roupas que iriam preencher os meus próximos dias de caminhada, e aquele medo de “não sei onde vou dormir, quantos kms farei por dia, o meu destino é Santiago”.
Regressei a Leiria, eram 11.55PM, 7 dias depois, perto de 300kms nas pernas, uma bolha num pé, dedos magoados noutro (foram cerca de 287km percorridos entre a Póvoa do Varzim e Santiago de Compostela, em 6 dias).
Um enorme desgaste físico e mental, que se transformou ao longo dos dias numa consciencialização interior e empoderamento.
Entre estas duas datas, surgem três perguntas que me foram feitas ao longo do caminho e por muitos curiosos: a menina está sozinha? A menina é de onde? Porque é que está a fazer o caminho?
Fui sozinha, houve outras em que tive medo de andar no meio da montanha e da floresta sozinha, também houve outras em que fiz parte do caminho com gente (Saxamonde – Redondela, começar às 6AM com a super simpática Ana de Gaia; Pontevedra – Caldas de Reis, nunca vai ser igual graças à Alzira, ao Luís, à Cristina e ao André, que provaram que o Porto está carregado de boa gente; Santiago – um copo de vinho, Maria João, Margarida e Rita, pelo curativo, pelo jantar e pela busca da Compostela às 6.20AM) e na maioria delas, dancei, cantei e sorri a muitos estranhos ao som de uma boa música.
Nasci em Leiria, mas as minhas raízes remontam a Fátima, a terra do meu avô paterno ou como costumo chamar carinhosamente, a “terra santa portuguesa”. Neste momento, sou de Lisboa, mas serei sempre de outros lugares como Peniche, Es Canar (Espanha), Ferragudo e Malang (Indonésia).
Quis fazer o caminho, não porque nunca tinha feito tal coisa, nem para “testar” a minha resistência.
(Caminhei sempre até onde as minhas pernas aguentavam, comecei em Póvoa do Varzim, ouvi durante todo percurso que fiz pela Costa, quase um “chamamento” para ir dar um mergulho até ao mar e ao rio. Obrigada à Eduarda e à Madalena do hostel d’avenida, em Vila Praia de Âncora, por darem guarida a esta peregrina ansiosa e super feliz em finalmente poder dar um mergulho ao mar.
Comi pelo menos uma refeição decente por dia, seja massas ou uma enorme sandes.
Dormia entre 6 a 7h, levantava-me todos os dias às 5.30AM para não apanhar tanto calor durante o dia.
Nunca dormi na rua, nem no quartel dos bombeiros, a app Camino Ninja ajuda-nos com os hostels para os peregrinos pernoitar.
Para as mulheres que tal como eu, vão sozinhas, instalem a app “alertCops”, que permite ter acesso à vossa localização e a possibilidade de chamarem a polícia em Espanha em caso de algum problema.
Sobre como adquirir a Compostela, vão à oficina do peregrino, registem o QR code dado, acordem no dia seguinte cedo tipo 6AM, levem a credencial do peregrino porque a fila é muita e já está.
Muita gente se surpreendia como é que aguentei tantos kms em tão pouco tempo e sem grandes dores, o segredo chama-se “tiger balm” (podem adquirir este creme no Celeiro Dieta) que ajuda com as dores nas pernas e nas costas. )
Fi-lo porque por muito estranho que pareça, sempre achei que entre os meus 27 e 28 anos, teria algum tipo de desgosto amoroso, estaria a desesperar por mudança na minha vida profissional e precisava de parar.
Creio que numa situação não-covid, teria ido para a Índia sozinha, isto porque desde sempre que tive curiosidade pela cultura.
O caminho possibilitou-me fazer um detox físico, das redes sociais e das conexões humanas.
Agradeci muito ao meu corpo, pedi-lhe desculpa por nem sempre o tratar da melhor forma.
Sobre as redes sociais, compreendi que lhes tenho dado mais valor e tempo do que merecem.
O que é que importa se a ou b, te deixa de seguir no instagram? Porque é que temos que dar muita importância, às pessoas que olham a nossa página de perfil e às nossas stories?
Conexões humanas, verdadeiras, mandam mensagens, arranjam maneira de estar por perto e preocupam-se.
Os outros, por ironia ou não, de uma maneira ou de outra, são apenas plateia e acabam sempre por ficar a ver.
A solidão nem sempre e necessariamente significa solidão, há quem passe o dia inteiro com pessoas e se sinta sozinho, há quem esteja sozinho o dia inteiro e se sinta “carregado de gente”.
A paz é algo que se deseja, é algo que se acredita, algo que se faz, algo que se é e algo que se oferece.
Porque se Santiago procurou Jesus, tu, peregrino, quem procuras?