Gostava muito de te poder dizer que parto de coração cheio, tal como muita gente que escreve artigos sobre o seu exchange year ou gap year.
Nove meses e uma semana de Indonésia, cinco semanas de Singapura/Vietname/Camboja/Tailândia/Laos e Malásia, deixaram-me com o coração em pedaços ou aos “buraquinhos”.
Vivi numa cidade onde as mulheres andavam na rua cobertas pelo seu hijab, onde cinco vezes por dia ouvia o adzan, onde se comia arroz todos os dias e em todas as refeições, as casas de banho eram a maioria das vezes um bacio no chão, os passeios não existem (a maioria das pessoas anda de mota e não a pé) e o código da estrada a maioria das vezes também não.
Era a única portuguesa, a única europeia, latina numa sala de aula com mais sete estrangeiros, num lugar em que comer pão e café pela manhã era estranho, assim como ouvir alguém falar inglês, em que ir às compras é tudo “aos mil”, em que a praia fica a duas ou três horas de mota da cidade.
Estudei a língua da Indonésia. Tive que me esquecer que era portuguesa nas aulas porque algumas das palavras eram as mesmas, embora a pronúncia, o significado e o método de ensino fosse totalmente diferente da Europa.
Comecei a gostar de tempe (uma espécie de bolo de soja frito), de martabak manis (uma especie de panqueca ao estilo indonésio), de pitaia (um fruta), de white–coffee, de Tea Tarik, de usar os sarung como as Indonésias usam e que andar de Gojek (espécie de Uber, mas que utiliza a mota) é espetacular (sabe bem sentir o vento no rosto).
Vivi com raparigas indonésias, uma vietnamita, duas raparigas do Madagáscar e uma sul-coreana, elas (estrangeiras) estudavam comigo na universidade.
Com a sul-coreana criei laços fortes, talvez porque os nossos países não são assim tão diferentes como aparentam, bem como a vida de cada uma de nós e das nossas famílias.
Aprendemos as duas mais sobre os países de cada uma de nós, a língua, a cultura e esta barreira entre ocidente e oriente, que tanto consegue ser complicada como fantástica.
Compreendemos que ainda que ela exista, porque viajamos juntas pela Indonésia, pelo Sudeste Asiático, também porque conhecemos imensos viajantes que estranhavam encontrar uma portuguesa e uma sul-coreana juntas. As amizades fortes conseguem superar isso.
Nem sempre é fácil, é verdade, a maioria das vezes eu estava sozinha no meio de indonésios ou coreanos, não percebia nada do que diziam, sentia-me estranha no meio deles, mas ao mesmo tempo de todas as vezes que isso aconteceu, eles ensinaram-me mais sobre a língua e a cultura deles.
Amizade, força de vontade, curiosidade, paciência e respeito.
São estas as palavras mágicas deste ano.
Mãe, pai, mano, amigos portugueses e do mundo que me tem acompanhado, eu sei que isto tem sido de doidos, desde que me meti no avião o ano passado para vir viver para a Indonésia, depois acabei por ir viajar também pelo Sudeste Asiático, voltei à Indonésia por uns dias e agora parto para vocês.
Sei que tem sido difícil para vocês verem-me tão “pequena”, tão “longe”, sem portugueses por perto, em países de 3º Mundo, a presenciar quem sabe realidades ou dificuldades ou aventuras, que isso deixa o vosso coração sempre alerta cada vez que há noticias ou que eu não dou noticias.
Percebo que seja complicado, no entanto, quero continuar a pedir-vos para continuarem a acreditar em mim, para continuarem aí, para serem pacientes porque não é só a mala que vem mais pesada, ela engordou, porque “ela voltou agora da Ásia e está a comer arroz com pauzinhos”, porque “de volta e meia, balbucia palavras que não entendemos”.
A vossa vida continuou, a minha também.
Não me sinto nenhuma super-heroína ou melhor que alguém, porque estive fora.
Sinto que desmistifiquei algumas coisas em mim, que tenho de trabalhar mais para me tornar na pessoa que quero ser e enquanto isso, tentar viver um dia de cada vez.
Sinto que sou portuguesa, sou europeia, mas agora também sou um bocadinho asiática e não estranhem se alguma vez os meus olhos brilharem cada vez que se fale na Ásia.
Hoje, entro dentro dos aviões triste porque deixo para trás pessoas que foram que família, um país que foi lar e um continente que prometo regressar (quem sabe um dia!). Ao mesmo tempo, parto com a consciência de que, ainda que não tenha feito tudo o queria, fiz mais do que imaginei e estou grata por isso.
Porque hoje, não tenho mais medo de baratas, de formigas, de ver espetadas que ao invés de carne de porco ou vaca têm escorpiões ou cobras, de sentir nojo ao ver pessoas com talheres na mesa a comer arroz com as mãos e de tantas outras coisas.
Hoje, tenho medo que os meus sonhos não sejam tão grandes quanto a minha ambição de os tornar reais e de os conquistar.
Ásia, levo-te gravada não só nos pés, mas no coração todos os dias e para Sempre. Obrigada!