Itália. Erasmus em Génova, a experiência de uma estudante de direito

A Cláudia Coelho sempre desejou fazer Erasmus. Itália era o seu país de eleição e Génova acabou por ser a cidade que a veio a surpreender, sem nunca ter sido a primeira opção.

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É normal que se diga que fazer Erasmus é aquilo pelo que mais anseiam os alunos que entram para a faculdade. Talvez não seja aquilo pelo que mais anseiam acima de tudo, vá, mas está no top 3. No meu caso, para além de toda a aventura que é entrar para a faculdade, e toda a mudança de vida que tal acarreta, fazer Erasmus estava mesmo nos planos.

Assim, ao chegar ao 4º ano, fiz as malas e fui para Génova, Itália. Ao início, era para lá ter ficado somente 1 semestre. Aconteceu que acabei por ficar um ano lectivo inteiro. Mas porquê a Itália? E não é um pouco arriscado fazer-se Erasmus no curso de Direito, pois as leis mudam de país para país? Ora bem…

Antes de partir em Erasmus, já tinha bem estabelecido na minha cabeça que o destino teria de ser, obrigatoriamente, a Itália. Não me via a ir para mais sítio nenhum, pois já há muitos anos que era o meu grande desejo vir a viver em Itália, e fazer a vida de uma verdadeira italiana. Não sei porquê, mas sinto que devo ter sido italiana numa outra vida, pois a língua sempre me fascinou, assim como a beleza do país e o modo louco e cheio de energia com que os italianos vivem o seu dia-a-dia. Assim, escolhido o país, é preciso fazer uma grande, mas mesmo grande pesquisa em relação à cidade a escolher.

Fazer Erasmus depende muito, não só do país, mas essencialmente da cidade que escolhemos. E o primeiro critério a analisar deve ser, sem dúvida, a Universidade da cidade para onde queremos ir: saber se tem todas as equivalências que procuramos, em que língua são os cursos, se já foram outros alunos da nossa faculdade para aquela em particular de maneira a lhes pedirmos informações, etc… Digamos que, pessoalmente, nunca tinha posto a hipótese da Universidade de Génova em cima da mesa até ao dia em que descobri que me davam todas as equivalências de que precisava, daí a minha procura por uma Universidade (e cidade) ter ficado mais fácil.

Disse que o critério de escolha da Universidade era o mais importante a ter em conta, até mais do que o critério de se ir ou não com um amigo para a mesma cidade, porque não é aconselhável a que ninguém faça Erasmus sem ter as equivalências às cadeiras. Vejamos a situação desta perspectiva: ficando em Itália durante 2 semestres como eu fiquei, teria de fazer 10 cadeiras (5 por semestre) durante todo o ano. Se a faculdade não me garantisse parte destas cadeiras, de que me serviria estar a fazer o Erasmus? Para não fazer cadeiras e ir só ali para Itália viver a vida e gastar o dinheiro dos meus paizinhos? Nem pensar!

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Portanto, tendo escolhido a cidade e a correspondente Universidade, é importante que cada um arranje todas as informações possíveis e imaginárias sobre o sítio para onde vai. E foi isso que eu fiz. Antes de mais, mentalizei-me de que ia para um país onde ninguém fala inglês! Nem sequer os professores universitários ou os coordenadores do Gabinete de Erasmus têm conhecimentos básicos de inglês! De maneira, que também me inscrevi num curso intensivo de italiano, no Verão antes de ir embora (assim como no curso grátis de italiano para os Erasmus oferecido pela Universiade de Génova). Falar italiano em Itália é o mais importante que um estrangeiro deve fazer. Os próprios italianos, conhecidos por terem um temperamento complicado, são visivelmente mais simpáticos para os estrangeiros que lhes falarem na sua língua, ou que tiverem um certo conhecimento básico de italiano, pois o ensiono do inglês é algo que não está a resultar ali na “Bota”.

Mas o conhecimento da língua, isto para qualquer Erasmus que vá para Itália, não é só importante para os termos da conversação básica do dia-a-dia. Não! É que os exames em Itália são todos em italiano, quer escritos, quer orais, e não há excepção para Erasmus. Em todo o meu percurso académico em Génova, nunca fiz nenhuma avaliação em inglês, tendo feito somente exames orais e um ou outro exame escrito ou de escolha múltipla em italiano. Daí a importância de se fazer um esforço para aprender a língua, pois todo o nosso sucesson académico não depende somente dos nosso conhecimentos da matéria em geral… mas também da maneira como nos expressamos em italiano, e de quão bem nos fazemos entender. E foi graças a este sistema que me tornei fluente em italiano.

Passando, agora, para outro tópico, é importante falar sobre o que é fazer Erasmus durante o curso de Direito. No geral, todos os outros cursos têm facilidade em preparar o seu Erasmus: se for um curso científico, é só ver se a Matemática ensinada na faculdade de destino é a mesma do nosso nível na faculdade portuguesa. Com Direito, já não é bem assim. Existe legislação e doutrina que muda de país para país, e é preciso ter isso em consideração, pois passar um semestre inteiro ou todo um ano a estudar um Direito diferente do nosso, pode ser prejudicial para o curso e para a vida profissional, também.

Mas as boas notícias são que praticamente todo o Direito de Itália é igual ao Direito leccionado em Portugal! Se formos a pensar bem, a raíz é a mesma: o Direito Romano. Portanto, todas as aulas que eu tive acabaram por ser com toda a matéria igual à matéria que deram os meus colegas em Portugal. Desde o Direito Fiscal ao Direito Internacional Privado, todo o programa era o mesmo. A única coisa que mudava era a o Código a utilizar, o que é normal, pois os Artigos do Código Civil italiano, por exemplo, não correspondiam directamente aos Artigos escritos no Código Civil português. Mas a mensagem era praticamente toda a mesma.

É importante frisar, também, que eu escolhi fazer Erasmus somente no 4º ano. Na minha faculdade, as cadeiras acabam por ser mais semestrais nesse ano, e já vimos com uma pedalada dos anos anteriores em termos de estudos jurídicos, que nos pode ajudar a entender melhor o Direito, ainda por cima leccionado numa outra língua.

“E viver em Itália? Que tal é?”.

Esta foi uma das perguntas que mais ouvi durante e depois desta minha experiência lá fora. Viver em Itália é diferente. O turista conhece essencialmente a Itália romântica que vê nos filmes, ou visita com um mini carro amarelo, ou com um gelado na mão. Acontece que esta Itália bucólica e digna de Alberto Caeiro existe mesmo. E é de sonho. Mas também existe uma outra Itália escondida dos olhos dos turistas: uma Itália mais virada para a vida real, que tem tanto de fantástica, como de caótica.

A Itália é, antes de mais, um país de imigrantes. São muitos os refugiados e norte africanos que fazem de Itália o seu destino de entrada na Europa. São muitas (imensas até!) as pessoas da América Latina que escolheram a Itália para viver, e confesso que nalgumas das ruas de Génova ouvia mais espanhol que italiano.

Os italianos também são um povo curioso: adoram reclamar, mas também estão sempre alegres. O seu tom de voz alto pode assustar e/ou dar dores de cabeça, e alguém que não esteja habituado ao seu sentido de humor ou ao seu sarcasmo, pode não os entender bem. Os italianos gostam de se fazer ouvir, e são muito, mas mesmo muito expressivos. Para pensar como uma italiana, tive de pôr de lado algumas vergonhas, e tive de enfrentar a vida com uma mente mais aberta, descontraída, despreocupada, mas sempre com aquele sentido crítico de que “la vita è bella”, mas não em demasia. Há sempre que desconfiar, para que depois se possa reclamar. Porque os italianos adoram mesmo reclamar!

A Itália é assim: esta mistura de sítios incríveis e dignos de filme, com os sítios que são belos de uma outra maneira, maneira essa muito mais movimentada e própria de metrópole. Mas eu apaixonei-me pela Itália, e não havia nada que me deixasse mais feliz que sair de mina casa para uma cidade onde as pessoas falavam árabe, espanhol, italiano e outras línguas africanas na rua. Onde a confusão dos transportes era de perder a cabeça, mas a beleza do mar e da montanha me faziam sentir tranquila e de muito bom humor.

Nunca estive sozinha nestes meses. Tive à minha volta portugueses, espanhóis, italianos, irlandeses, alemães, franceses e búlgaros, todos eles grandes amigos e companheiros deste meu percurso. Visitei quase toda a Itália (esticando ao máximo a minha Bolsa), faltando apenas as regiões da “Bota” de Roma para baixo. Também passei muito tempo fora de Itália, em França, em São Marino, na Eslovénia, na Hungria, na Polónia, na Alemanha, na Bulgária, na Eslováquia, na Áustria, no Vaticano, na Croácia. Mas estas histórias terão de ficar para outro dia. Porque já passou exactamente 1 ano desde a melhor experiência da minha vida, e hoje foi altura de falar sobre ela.

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