Chamo-me Sara e tinha 22 anos quando decidi despedir-me do meu trabalho, num hotel 5 estrelas, quando decidi largar a minha vida caótica e estável em Lisboa, quando decidi comprar um bilhete só de ida, de dizer “até já” aos meus amigos e à minha família e partir um ano para estudar Bahasa Indonesia, numa cidadezinha na zona este de Java chamada Malang, na Indonésia.
Saí de Lisboa com 30 kg de bagagem com tudo apostos para viver um ano fora, muitos sonhos na mão e um desejo enorme de poder acrescentar valor à vida destas pessoas “do outro lado do Mundo”.
Cheguei a Jacarta com uma portuguesa; apanhei o voo para Malang, sozinha e com uma série de desconhecidos do Madagáscar, Vietname, Coreia do Sul, Japão, Tailândia e claro Indonésia. Durante os próximos 9 meses, estas pessoas vão ser a minha nova “família” cá, vão estudar comigo numa pequena universidade chamada IKIP BUDI Utomo no centro de Malang. Ninguém fala português ou espanhol ou italiano, apenas as colegas do Madagáscar falam francês e claro, inglês. Sou a primeira portuguesa no programa nesta cidade e nesta universidade. Não estou chocada nem triste. Estou orgulhosa, porque antes de mim, já por aqui passaram os portugueses e com muito menos tecnologia da qual disponho para poder falar com a minha família e com os meus amigos de Portugal e do resto do Mundo. Ah! E sobreviveram e foram bem-sucedidos.
Quando oiço estas pessoas nas ruas a conversar um idioma que desconheço completamente (o bahasa é uma mistura de árabe, de italiano, de holandês, de português e de mais uma série de idiomas, que pensar em português aqui se torna muito confuso. É como montar um puzzle com as mesmas peças que estamos habituados, mas de uma forma totalmente diferente.); quando as vejo comer “arroz pela manhã, pela tarde e pelo fim do dia”; quando as oiço a orar, é impossível ficar indiferente ao Adhan (cinco orações que cada muçulmano deve rezar por dia), penso na diversidade religiosa e cultural que existe pelo Mundo. Estas pessoas vivem a religião de uma forma tão intensa e tão genuína que é impossível pensar que seja justamente a sua religião que torna o Mundo tão complicado. Eles são simpáticos. Sempre dispostos a ajudar. Mesmo que não percebam inglês, raramente irão estar zangados ou a discutir.
E isso para nós portugueses, europeus, que queremos acrescentar valor à nossa própria vida, que vivemos numa agitação diária e que desejamos alcançar resultados e “estar-bem” na vida o quanto antes, faz-nos pensar. Porquê? Porque é que temos de ser melhores uns que os outros, porque é que para chegar ao caminho certo, muitos de nós têm de humilhar, espezinhar e “trair” o próximo? É certo que os indonésios ainda têm um caminho enorme a percorrer no que trata de modernidade, de tecnologia, de condições de vida, mas eles não parecem muito preocupados com isso. Vivem um dia de cada vez. Fazem as coisas com o tempo e com a paciência que só eles sabem e têm. E são muito orgulhosos por serem indonésios, em quase todas as ruas há bandeiras, símbolos, t-shirts, há um patriotismo gigante, uma beleza indescritível nas paisagens circundantes a Malang e não só.
Estou à um mês e pouco na Indonésia, para além da minha vida ter mudado, a minha idade também (cumpri os 23 cá), a pouco e pouco também parte de mim vai mudando. Sim, apesar da língua, da cultura, da beleza indescritível, viver na Ásia também é difícil. Acabaram-se os duches de água quente, o pão quentinho ali do Pingo Doce, a comidinha saborosa da Mãe, o quarto fresquinho.
Mas nem por isso deixo de andar sorridente. Isto de se viver com colegas estrangeiros; de aprender a cozinhar com eles; de perceber que se calhar tens mais em comum com a tua colega que, entretanto, já se tornou tua amiga da Coreia, do que alguma vez imaginaste; de reinventar crepes para a casa inteira, disso resultar numa dose gigante de gargalhadas para o jantar. Torna-te mais aberto à mudança.
Ainda me faltam bastantes meses até voltar para Portugal. Não deixo de pensar naqueles que amo por um único dia, mas estou a viver uma experiência única, num país com um idioma que me exige todos os dias e a toda hora, que me esqueça por um bocadinho que sou portuguesa e latina. Que me obriga a focar-me nele. Sem porquês e um dia de cada vez. Que me desafia, que me faz rir. Viver na Ásia é mesmo assim.
Por isso, Parte. Parte por ti. Parte porque precisas de mais desafios, porque o Mundo é demasiado grande para se estar preso a um sitio só. Parte porque precisas de te encontrar. De te redescobrir. De te reinventar. De coração aberto. De Sorriso no Rosto. Com a confiança que tudo vai dar certo. Mas Parte.