Já se passaram quase seis anos desde que João Magalhães embarcou num voo da Portugália com origem em Lisboa e destino no Funchal. Era junho de 2013 e o alto quadro de uma empresa farmacêutica aproveitou a viagem para ouvir música no Iphone 5 que tinha em sua posse. Na fase final do voo a chefe de cabine aproximou-se de João e obrigou-o a desligar o telemóvel, mantendo o pedido mesmo depois de este lhe informar que estava a usá-lo em modo de voo.
O homem de 55 anos argumentou que não queria desligar o aparelho porque em modo de voo este não interferia com os instrumentos do avião e porque também não sabia o pin associado ao cartão e desligar o telemóvel faria com que ficasse incontactável durante os três dias que ia passar na Madeira.
Embora contrariado o homem acabaria mesmo por desligar o telemóvel, não impedindo isso que à chegada tivesse a polícia à espera para o identificar. No auto de notícia feito pela PSP João Magalhães acabou por não ficar sujeito a qualquer aplicação de multa nem nenhum procedimento criminal porque, de acordo com o comandante do avião, o incidente não pôs em causa a segurança do voo.
Tendo em conta a deliberação da PSP naquele dia o farmacêutico terá ficado com a ideia de que tudo se tinha resolvido e que o caso tinha ficado arrumado, mas não foi isso que aconteceu. De acordo com o jornal Público que nesta quinta feira revela a história, João Magalhães foi obrigado a pagar uma multa de dois mil euros, aplicada pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) ao abrigo da legislação que pune passageiros desordeiros. Inconformado o passageiro avançou com um processo em tribunal contra a ANAC, tendo sido julgado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
Para justificar a aplicação da multa, em tribunal a ANAC defendeu que desligar o telemóvel não é exatamente a mesma coisa que desativar algumas das suas funções como acontece no modo de voo e a tripulação está obrigada a seguir as instruções do fabricante do avião. Neste caso, um Fokker cujas instruções exigem especificamente que os passageiros desliguem os telemóveis durante o voo.

Embora as regras para utilização de telemóvel neste tipo de avião da frota da Portugália (atualmente a Portugália já não tem estes aviões na sua frota, tendo sido substituídos por aparelhos mais modernos, agora a operarem sob a marca TAP Express), a juíza do tribunal acabou por considerar que tendo em conta a evolução dos smartphones nos últimos anos, cabia à fabricante do aparelho rever as regras para as adaptar à realidade atual. A magistrada considerou ainda que em nenhum momento o comportamento deste passageiro pôs em causa a segurança do voo ilibando-o da obrigatoriedade de pagar a multa de dois mil euros.
Mas o caso não ficou por aqui, tendo o Ministério Público recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde os juízes consideraram a decisão de primeira instância “temerária” e repuseram a multa a João Magalhães que, sem mais possibilidade de recurso vai mesmo ter que pagar.
De acordo com a decisão tornada pública na semana passada, os juízes consideraram que a argumentação da juíza de primeira instância pode levar as tripulações das companhias aéreas a ignorarem as instruções dos fabricantes das aeronaves e isso levaria as seguradoras a afastarem-se de responsabilidades do pagamento de eventuais indemnizações em caso de acidentes. De acordo com os magistrados, embora a obrigatoriedade de os telemóveis serem desligados a bordo dos Fokker date de 2002 e a tecnologia ter evoluído substancialmente desde essa data, as indicações devem ser cumpridas até que a fabricante as altere.
Em declarações ao Público João Magalhães diz sentir-se vítima de extorsão de um valor desmesurado e não compreende o recurso do Ministério Público para segunda instância por considerar que deve ter coisas mais importantes para tratar.